Você tem uma horta interior?
23/09/25
Santa Teresa faz uma brilhante
comparação entre os níveis de oração e o cultivo de uma horta.
Santa Teresa de Jesus nos brinda com uma das
reflexões mais belas sobre vida interior e espiritualidade. Ela compara sua
experiência de oração (mais especificamente os seus diferentes níveis de
profundidade) com o trabalho em uma horta.
Seguindo este pensamento, o historiador Josep Otón
propõe uma interioridade habitada por “algo mais que o eu mesmo”. Uma
interioridade “aberta à transcendência”.
Josep Otón é doutor em História e professor do
Instituto Superior de Ciências Religiosas de Barcelona. Ele já escreveu livros
sobre a Bíblia e também é autor de um romance, Laberintia, que foi traduzido para o francês.
Editado por Sal Terrae, seu livro Interioridad y espiritualidad [“Interioridade e
espiritualidade] propõe um caminho para descobrirmos a interioridade e suas
dimensões. Para isso, ele usa o exemplo da “horta interior” de Santa Teresa,
que diz que quem começa a praticar a oração precisa pensar que está começando a
preparar uma horta ou um jardim, para o deleite do Senhor.
Mas essa horta é diferente. Ela é plantada em terra
árida, estéril, cheia de ervas daninhas que o próprio Deus arranca para plantar
novas sementes.
O autor lembra que a Bíblia está cheia de imagens
que remetem a jardins (ou hortas). Os profetas do Antigo Testamento, por
exemplo, recorrem à imagem de um “jardim sem água”, referindo-se à situação de
Israel, que dá as costas a Deus.
Por isso, as promessas de restauração costumam
comparar a nova relação entre Israel e Deus como um “jardim bem irrigado”
(Isaías 58,11 e Jeremias 31,12).
São especialmente significativas as palavras de
Isaías: “Do deserto em que ela se tornou ele fará um Éden, e da sua estepe um
jardim do Senhor. Aí encontrar-se-ão o prazer e a alegria, os cânticos de
louvor e as melodias da música.” (Isaías 51, 3).
Já os relatos do Gênesis descrevem a saída do Paraíso, o jardim do Éden, regado
por quatro rios. (Gênese 2,10).
A experiência espiritual proclamada pelos profetas
parece indicar a conclusão deste processo, ou seja, do deserto ao jardim
regado, da esterilidade à vida.
No Cântico dos Cânticos, o noivo se refere à noiva
como um “jardim fechado”, e ela responde: “Entre meu amado no seu jardim,
prove-lhe os frutos deliciosos”.
A horta e o jardim evocam a proximidade com Deus: a água é símbolo da vida e da
fecundidade, já a secura representa a esterilidade.
A horta já existe
A santa castelhana diz que “a horta já existe”, e,
com a ajuda de Deus devemos, como bons jardineiros, fazer “as plantas
crescerem”.
Otón diz que “a imagem da horta de Santa Teresa é
muito sugestiva e nos faz refletir sobre interioridade e espiritualidade. Podemos
considerar a terra como a imagem da própria a interioridade, um terreno que
pode ser fértil ou não, mas que não produz nada por si só”.
O solo precisa da ajuda externa, das sementes e da
água (que nos remetem à espiritualidade). O trabalho do agricultor é cultivar a
horta.
Santa Teresa lembra que uma horta precisa ser
regada. E há várias formas de fazer isso. A primeira é tirar água do poço, um
grande esforço por parte do agricultor, do jardineiro ou de quem reza. Já a
segunda é o uso de uma roda, com a qual pode-se extrair maior quantidade de
água com menos esforço. O terceiro jeito é aproveitar a água de um rio. Assim,
a horta fica alagada e não é preciso regá-la tanto.
Mas a quarta forma de regar a horta é a melhor. O
homem intervém pouco, já que o campo é regado pela água da chuva.
Santa Teresa compara estes caminhos de irrigação
aos quatro níveis de oração:
– o primeiro (extrair água) é a
oração mental. Esforço e meditação;
– o segundo (a roda), é a oração
em silêncio, uma comunicação com Deus, em que a pessoa experimenta um
recolhimento até o mais profundo de seu ser. É uma experiência sobrenatural;
– o terceiro (regar com água do
rio) é quando a ação de Deus faz o indivíduo manifestar respeito à toda
criação. Ele se sente embriagado pela oração quando percebe que as flores estão
se abrindo e começam a exalar perfume;
– no quarto nível, (a chuva) o ser
humano se sente inundado pela inefabilidade divina e toma consciência dos
efeitos de uma vida de oração.
A horta é a interioridade, a água do rio evoca a
espiritualidade. A horta não é independente: para ser fecundada, deve abrir-se
a exterior.
A partir de uma perspectiva de quem crê ou não, é
recomendável seguir o conselho da santa: “Não subam se Deus não os sobe”. Há um
ponto ao qual não é possível ascender somente com o próprio esforço. É preciso
deixar acontecer, deixar-se conduzir, sem procurar alcançá-lo com as próprias
forças. É nisso que consiste a espiritualidade.
Edição Portuguese
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