Igreja

Perdoar nos devolve a nós mesmos: Papa Leão

20/08/25

“Jesus, com o simples gesto de oferecer o pão, mostra que toda traição pode se tornar uma oportunidade de salvação.”

O Papa Leão XIII continuou seu discurso na audiência geral sobre a Última Ceia em 20 de agosto, considerando hoje como ele compartilhou o bocado com Judas, mesmo quando este estava prestes a traí-lo. "Não é apenas um gesto de partilha: é muito mais; é a última tentativa do amor de não desistir", disse o Papa.

O Santo Padre continuou refletindo sobre o poder do perdão: "Perdoar não significa negar o mal, mas impedir que ele gere mais mal... fazer todo o possível para que o ressentimento não determine o futuro."

Aqui está o que ele disse :

Queridos irmãos e irmãs ,

Hoje, vamos analisar um dos gestos mais marcantes e luminosos do Evangelho: o momento em que Jesus, durante a última ceia, oferece um bocado àquele que está prestes a traí-lo. Não é apenas um gesto de partilha: é muito mais; é a última tentativa do amor de não desistir.

Antoine Mekary | ALETEIA

São João, com sua profunda sensibilidade espiritual, nos conta sobre esse momento da seguinte maneira: [Durante a ceia, quando] “o diabo já havia induzido Judas, filho de Simão Iscariotes, a entregá-lo... Jesus sabia que a sua hora havia chegado... amou-os até o fim” ( Jo  13,1-2). Amar até o fim: eis a chave para compreender o coração de Cristo. Um amor que não cessa diante da rejeição, da decepção e até da ingratidão.

Jesus conhece o tempo, mas não se submete a ele: ele o escolhe. É ele quem reconhece o momento em que o seu amor deve passar pela ferida mais dolorosa, a da traição. E em vez de se retrair, acusar, defender-se... continua a amar: lava os pés, molha o pão e o oferece.

“ É aquele a quem eu dou o bocado depois de o ter molhado ” ( Jo  13,26). Com este gesto simples e humilde, Jesus leva o seu amor adiante e às suas profundezas, não porque ignore o que está acontecendo, mas precisamente porque o vê claramente. Ele compreendeu que a liberdade do outro, mesmo quando perdida no mal, ainda pode ser alcançada pela luz de um gesto manso, porque sabe que o verdadeiro perdão não espera o arrependimento, mas se oferece primeiro, como um dom gratuito, antes mesmo de ser acolhido.

Judas, infelizmente, não entende. Depois do bocado – diz o Evangelho – “Satanás entrou nele” (v. 27). Esta passagem nos impressiona: como se o mal, até então oculto, se manifestasse depois que o amor mostrou sua face mais indefesa. E justamente por isso, irmãos e irmãs, esse bocado é a nossa salvação: porque nos diz que Deus faz tudo – absolutamente tudo – para nos alcançar, mesmo na hora em que o rejeitamos.

É aqui que o perdão revela todo o seu poder e manifesta a verdadeira face da esperança. Não é esquecimento; não é fraqueza. É a capacidade de libertar o outro, amando-o até o fim. O amor de Jesus não nega a verdade da dor, mas não permite que o mal tenha a última palavra. Este é o mistério que Jesus realiza por nós, do qual também nós, por vezes, somos chamados a participar.

Quantos relacionamentos se rompem, quantas histórias se complicam, quantas palavras não ditas permanecem suspensas. E, no entanto, o Evangelho nos mostra que sempre há uma maneira de continuar a amar, mesmo quando tudo parece irremediavelmente comprometido. Perdoar não significa negar o mal, mas impedir que ele gere mais mal. Não significa dizer que nada aconteceu, mas fazer todo o possível para garantir que o ressentimento não determine o futuro.

Quando Judas sai do quarto, "era noite" (v. 30). Mas imediatamente depois, Jesus diz: "Agora o Filho do Homem é glorificado" (v. 31). A noite ainda está lá, mas uma luz já começou a brilhar. E ela brilha porque Cristo permanece fiel até o fim, e por isso seu amor é mais forte que o ódio.

Queridos irmãos e irmãs, nós também vivemos noites dolorosas e difíceis. Noites da alma, noites de decepção, noites em que alguém nos feriu ou nos traiu. Nesses momentos, a tentação é nos fecharmos, nos protegermos, retribuirmos o golpe. Mas o Senhor nos mostra a esperança de que existe outro caminho, sempre existe. Ele nos ensina que se pode oferecer um bocado mesmo a quem nos vira as costas. Que se pode responder com o silêncio da confiança. E que podemos seguir em frente com dignidade, sem renunciar ao amor.

Peçamos hoje a graça de poder perdoar, mesmo quando não nos sentimos compreendidos, mesmo quando nos sentimos abandonados. Porque é precisamente nessas horas que o amor pode atingir o seu ápice. Como Jesus nos ensina, amar significa deixar o outro livre — até mesmo para trair — sem nunca deixar de acreditar que até essa liberdade, ferida e perdida, pode ser arrancada do engano das trevas e devolvida à luz do bem.

Quando a luz do perdão consegue penetrar nas profundezas do coração, compreendemos que ele nunca é inútil. Mesmo que o outro não o aceite, mesmo que pareça em vão, o perdão liberta quem o oferece: dissipa o ressentimento, restaura a paz, nos devolve a nós mesmos.

Jesus, com o simples gesto de oferecer o pão, mostra que toda traição pode se tornar uma oportunidade de salvação, se for escolhida como espaço para um amor maior. Não cede ao mal, mas o vence com o bem, impedindo que ele apague o que há de mais verdadeiro em nós: a capacidade de amar.

 

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