Igreja

Papa aponta para uma 'dimensão da vida cristã' que precisamos recuperar hoje

20/07/25

Ao celebrar a missa na catedral perto da residência papal de Castel Gandolfo, o Papa refletiu sobre a hospitalidade e o que vem em primeiro lugar.

O Papa Leão XIV celebrou a missa na Catedral de Albano, a menos de três quilômetros da residência papal de Castel Gandolfo, em 20 de julho de 2025. O Santo Padre sorriu ao ver como "o Espírito Santo agiu de uma maneira diferente" — fazendo com que ele perdesse uma missa anterior que deveria celebrar na igreja.

Tratava-se de uma referência à forma como o Papa Francisco elevou o Cardeal Robert Francis Prevost ao posto de cardeal-bispo e lhe designou a diocese suburbana de Albano. O Cardeal Prevost deveria celebrar uma missa ali em 12 de maio, mas em 8 de maio foi eleito papa.

"Mas estou verdadeiramente feliz por estar convosco...", afirmou o Papa sorridente.

ALBERTO PIZZOLI | AFP

Hospitalidade

Com base na rica liturgia deste domingo, o Papa refletiu sobre a hospitalidade e, em particular, como seus vários elementos podem ser vividos no verão.

Ele disse que "serviço e escuta" são "duplas dimensões da hospitalidade". Mas, disse o Papa, "nossa relação com Deus vem em primeiro lugar". Devemos cumprir nossos deveres "somente depois de meditar na Palavra de Deus e ouvir o que o Espírito Santo está dizendo aos nossos corações".

"Esta", disse ele, "é uma dimensão da vida cristã que precisamos recuperar particularmente hoje, tanto como um valor para os indivíduos e comunidades, quanto como um sinal profético para os nossos tempos".

Devemos dar espaço ao silêncio, à escuta do Pai que fala e “vê em segredo” ( Mt  6,6). O verão pode ser um momento providencial para experimentar a beleza e a importância do nosso relacionamento com Deus, e o quanto ele pode nos ajudar a ser mais abertos, mais acolhedores com os outros.

Albano

O Santo Padre está hospedado em Castel Gandolfo desde 6 de julho e chegou antes da missa das 9h30 para cumprimentar os muitos moradores da cidade de Albano reunidos nas ruas e em frente à catedral. Na praça em frente ao edifício do século XVIII, o bispo local, Vincenzo Viva, entregou ao papa a bandeja de prata com seu brasão, que ele receberia em 12 de maio.

No final, o cardeal filipino Luis Tagle é o cardeal-bispo de Albano, já que Leo cedeu seu lugar a ele.

A catedral de Albano tem sido um local frequente de visitas papais: em setembro de 2019, o Papa Francisco celebrou uma missa na Piazza Pia. Em 2008, Bento XIV fez uma visita pastoral e consagrou o novo altar-mor da catedral. O Papa João Paulo II também visitou a catedral em setembro de 1982, e o Papa Paulo VI fez o mesmo em agosto de 1963.

Aqui está uma tradução do Vaticano da homilia do Papa:

Estou muito feliz por estar aqui para celebrar a Eucaristia de hoje nesta bela Catedral. Como sabem, eu deveria estar aqui no dia 12 de maio, mas o Espírito Santo agiu de forma diferente. Mas estou verdadeiramente feliz por estar convosco e, em espírito de fraternidade e alegria cristã, saúdo todos os presentes, Sua Eminência, bem como o Bispo da Diocese e as autoridades presentes.

Nesta Missa, tanto a primeira leitura como o Evangelho nos convidam a refletir sobre a hospitalidade, o serviço e a escuta (cf.  Gn  18,1-10;  Lc  10,38-42).

Primeiro, Deus visita Abraão na figura de “três homens” que chegam à sua tenda “no calor do dia” (cf.  Gn  18,1-2). A cena é fácil de imaginar: o sol escaldante, o silêncio do deserto, o calor intenso e os três estrangeiros em busca de abrigo. Abraão está sentado “à entrada da sua tenda”, a posição do dono da casa, e é comovente ver como ele exerce esse papel. Reconhecendo a presença de Deus nos visitantes, ele se levanta, corre para saudá-los e prostra-se no chão, implorando-lhes que fiquem. Assim, toda a cena ganha vida. O silêncio da tarde é preenchido com gestos de amor que envolvem não apenas o Patriarca, mas também sua esposa Sara e os servos. Abraão não está mais sentado, mas em pé “junto a eles, debaixo da árvore” ( Gn  18,8), e é ali que Deus lhe dá a melhor notícia que ele poderia ter esperado: “Sara, tua mulher, terá um filho” ( Gn  18,10).

A dinâmica desse encontro nos leva a refletir sobre como Deus escolhe o caminho da hospitalidade para entrar na vida de Sara e Abraão e anunciar que teriam um filho, que há muito desejavam, mas haviam perdido a esperança de receber. Tendo-os visitado anteriormente em muitos momentos de graça, Deus retorna para bater à porta, pedindo hospitalidade e confiança. O casal de idosos responde positivamente, apesar de ainda não entender o que acontecerá. Reconhecem a bênção de Deus e sua presença nos visitantes misteriosos e lhes oferecem o que têm: alimento, companhia, serviço e a sombra de uma árvore. Em troca, recebem a promessa de uma nova vida e descendentes.

Embora as circunstâncias sejam diferentes, o Evangelho também nos ensina sobre o modo de agir de Deus. Também aqui, Jesus aparece como hóspede na casa de Marta e Maria. Desta vez, porém, ele não é um estranho: chega à casa de seus amigos em meio a um clima de festa. Uma das irmãs o acolhe servindo-o, enquanto a outra se senta a seus pés, ouvindo como uma discípula ouviria sua mestra. Como sabemos, Jesus responde às queixas da primeira irmã de que ela gostaria de alguma ajuda com as tarefas em questão, convidando-a a reconhecer o valor da escuta (cf.  Lc  10,41-42).

Seria incorreto, no entanto, considerar essas duas atitudes como mutuamente exclusivas ou comparar os méritos das duas mulheres. Servir e ouvir são, de fato, dimensões gêmeas da hospitalidade.

Nossa relação com Deus vem em primeiro lugar. Embora seja verdade que devemos viver a nossa fé por meio de ações concretas, cumprindo fielmente os nossos deveres de acordo com o nosso estado de vida e vocação, é essencial que o façamos somente depois de meditarmos na Palavra de Deus e ouvirmos o que o Espírito Santo diz aos nossos corações. Para isso, devemos reservar momentos de silêncio, momentos de oração, momentos em que, silenciando o barulho e as distrações, nos recolhemos diante de Deus na simplicidade do coração. Esta é uma dimensão da vida cristã que precisamos recuperar particularmente hoje, tanto como valor para os indivíduos e as comunidades, quanto como sinal profético para os nossos tempos. Devemos dar espaço ao silêncio, à escuta do Pai que fala e “vê em segredo” ( Mt  6,6). O verão pode ser um momento providencial para experimentar a beleza e a importância da nossa relação com Deus e o quanto ela pode nos ajudar a ser mais abertos, mais acolhedores para com os outros.

Durante o verão, temos mais tempo livre para reunir os nossos pensamentos e refletir, e também para viajar e passar tempo uns com os outros. Aproveitemos bem isso, deixando para trás o turbilhão de compromissos e preocupações para saborear alguns momentos de paz, de reflexão, reservando também tempo para visitar outros lugares e partilhar a alegria de ver os outros — como estou a fazer aqui hoje. Façamos do verão uma oportunidade para cuidar dos outros, para nos conhecermos, para oferecermos conselhos e um ouvido atento, pois estas são expressões de amor, e é algo de que todos precisamos. Façamo-lo com coragem. Desta forma, através da solidariedade, na partilha da fé e da vida, ajudaremos a promover uma cultura de paz, ajudando aqueles que nos rodeiam a superar divisões e hostilidades e a construir comunhão entre pessoas, povos e religiões.

O Papa Francisco disse que “Se quisermos saborear a vida com alegria, devemos associar estas duas abordagens: por um lado, ‘estar aos pés’ de Jesus, para ouvi-lo enquanto nos revela o segredo de tudo; por outro, estar atentos e prontos na hospitalidade, quando Ele passa e bate à nossa porta, com o rosto de um amigo que precisa de um momento de descanso e fraternidade” ( Angelus , 21 de julho de 2019). Estas palavras foram pronunciadas poucos meses antes do início da pandemia; aquela longa e difícil experiência, da qual ainda nos lembramos, ensinou-nos muito sobre a sua verdade.

Certamente, tudo isso exige esforço. Servir e ouvir nem sempre são fáceis; exigem trabalho árduo e capacidade de fazer sacrifícios. Por exemplo, é preciso esforço para ouvir e servir a fim de sermos mães e pais fiéis e amorosos na criação de sua família, assim como é preciso esforço para que os filhos correspondam ao trabalho árduo dos pais em casa e na escola. Também é preciso esforço para compreender uns aos outros quando há desentendimentos, perdoar quando erros são cometidos, ajudar quando alguém está doente e consolar uns aos outros em momentos de tristeza. Mas é justamente fazendo esforço que algo que vale a pena pode ser construído na vida; é a única maneira de formar e nutrir relacionamentos fortes e genuínos entre as pessoas. Assim, com os fundamentos da vida cotidiana, o Reino de Deus cresce e manifesta sua presença (cf.  Lc  7,18-22).

Santo Agostinho, refletindo sobre a história de Marta e Maria em uma de suas homilias, disse: “Estas duas mulheres simbolizam duas vidas: a presente e a futura; uma vida vivida em trabalho e uma vida de descanso; uma atribulada e a outra abençoada; uma temporária, a outra eterna” ( Serm.  104, 4). E considerando o trabalho de Marta, Agostinho disse: “Quem está isento do dever de cuidar dos outros? Quem pode descansar dessas tarefas? Procuremos realizá-las com caridade e de tal maneira que ninguém nos possa criticar... O cansaço passará e o descanso virá, mas o descanso só virá pelo esforço feito. O navio navegará e chegará à sua pátria; mas a pátria não será alcançada senão por meio do navio” (ibid., 6-7).

Hoje, Abraão, Marta e Maria nos lembram que escuta e serviço são duas atitudes complementares que nos permitem abrir a nós mesmos e às nossas vidas às bênçãos do Senhor. O exemplo deles nos convida a conciliar contemplação e ação, repouso e trabalho árduo, silêncio e a correria do dia a dia com sabedoria e equilíbrio, tomando sempre a caridade de Jesus como medida, sua Palavra como luz e sua graça como fonte de força, que nos sustenta além da nossa própria capacidade (cf.  Fl  4,13).

Palavras proferidas por Sua Santidade o Papa Leão XIV antes da Bênção no final da Santa Missa na Catedral de Albano ao fazer a doação de uma casula a Sua Excelência Vincenzo Viva Bispo da Diocese

Apresentamos este presente a Vossa Excelência como expressão da nossa proximidade à sua Igreja Diocesana, desejando que a Bênção do Senhor o acompanhe sempre. Agradecemos o seu serviço e o nosso agradecimento ao seu povo.

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