Corajoso é quem vai ou quem fica?

18/08/25
É mais corajoso aquele que abandona tudo
e vai viver seu sonho? Ou corajoso é aquele que fica e enfrenta a realidade?
Há alguns anos, durante o divórcio de uma amiga, me
deparei com uma situação confusa, que me levou a grandes reflexões na época. O
marido dela, decidido a romper a relação, usou um poema de Martha Medeiros para
justificar o momento que ele vivia. O poema em questão era aquele que
diz: “Morre lentamente quem evita
uma paixão, quem prefere o preto no branco e os pingos nos is a um turbilhão de
emoções indomáveis, justamente as que resgatam brilho nos olhos, sorrisos e
soluços, coração aos tropeços, sentimentos. Morre lentamente quem não arrisca o
certo pelo incerto atrás de um sonho, quem não se permite, uma vez na vida,
fugir dos conselhos sensatos…”
Minha amiga estava fragilizada, magoada e
inconformada. Ela considerava o marido um covarde. Ele se achava corajoso.
Porém, qual dos dois estaria certo?
Tudo depende da perspectiva de cada um. Porém, um
pouco mais amadurecida, me deparei com uma análise belíssima que uma prima
querida fez do filme “Na Natureza Selvagem”. Ao contrário da maioria dos fãs do
filme, ela não achou a jornada do “super andarilho” Chris corajosa. Numa das
partes de sua análise, minha prima diz: “Tive muita pena do quanto ele era covarde e precisou inventar uma
odisseia desse tamanho, tão monumental, para esconder, em proporção, o que ele
não tinha: coragem!” E ela continuava, dizendo que como o
personagem do filme, que foge para o Alasca com a fantasia de que lá
encontraria uma vida mais plena, cheia de coisas fantásticas, e de que lá seria
uma pessoa melhor, mais corajosa e cheia de vida, muitos de nós imaginam que
fugindo para seus “Alascas” poderão ter aquilo que nunca tiveram: paz de espírito,
cura de suas dores, cura de seus vazios.
Após essa análise, voltei a questionar o episódio
do divórcio de minha amiga. Será que o ex marido havia encontrado um estado
permanente de brilho nos olhos e coração aos tropeços? Ou, passado o tempo da
euforia, da troca do certo pelo incerto, ele havia se dado conta de que a
coragem de virar a própria mesa, em alguns casos, pode ser pura ilusão?
Há uma reflexão do filósofo Luiz Felipe Pondé que
diz o seguinte: “Você precisa de
muito mais coragem para abrir mão de uma paixão romântica em nome de um
relacionamento longo, do que optar pela paixão”. Isso quer dizer que,
embora pareça mais corajoso chutar tudo para o alto e ir viver nossas paixões
ou nossos “Alascas”, é mais corajoso resistir e encontrar alento na realidade.
É claro que existem casos e casos. Porém, há um
consenso no que diz respeito à forma como interagimos com a vida. Podemos
interagir nos protegendo ou nos arriscando. É unanime afirmar que é uma forma
de covardia com nós mesmos não interagirmos de uma maneira mais intensa com a
vida, deixando de explorar nosso potencial criativo, nossa inteligência, nossa
sensibilidade, preferindo nos refugiar numa vida segura, protegida… e mediana.
Talvez o que Martha Medeiros quisesse dizer com seu
texto é que devemos nos esforçar para não viver uma vida mediana. E tenho que
concordar, pois é preciso coragem para deixar de lado o instinto de
autoproteção e interagir de uma maneira mais intensa com a vida. Porém, o ex
marido de minha amiga interpretou de acordo com seus interesses. Ele
provavelmente achou que encarar a vida cotidiana, com suas obrigações e
responsabilidades, é que seria uma vida mediana. Mas não precisa ser assim.
Podemos acomodar os sonhos, o brilho no olhar e a ousadia lado a lado com as
obrigações e responsabilidades. Conseguir conciliar duas ideias aparentemente
contraditórias nos torna mais completos, maduros e realizados.
Não é preciso fugir para o Alasca, empreender uma
jornada enorme para encontrar sentido. Os desejos se acomodam e convivem
juntos. Posso ser dentista, mãe, esposa, escrever dois livros, ter um blog e um
canal no Youtube — quem disse que não?
Viver com coragem é viver empenhado na busca por
aquilo que faz nossos olhos brilharem. Mas para que essa jornada seja
autêntica, é preciso distinguir “busca” de “fuga”. Pois há muita confusão por
aí. Coragem é arcar com a aridez e o brilho da vida, entendendo que nem sempre
será só ruim, nem sempre será só bom, mas não abandonar tudo só porque as
coisas estão mais difíceis no momento.
Talvez o ex marido de minha amiga tenha sido
corajoso. Talvez tenha sido covarde. Não cabe a mim julgar ou dar um veredicto.
O que posso afirmar é que é necessário uma grande dose de coragem para
mergulhar fundo em nós mesmos. E que nem sempre é necessário sair numa jornada
monumental para avançarmos em nosso próprio território. Às vezes não precisamos
mais que o silêncio de nossos próprios quartos. Porém, a despeito desse
autoconhecimento e descoberta da felicidade genuína, muitas pessoas viverão de
buscas, de enganos e cabeçadas, inquietas e insatisfeitas, acreditando piamente
que encontrarão um estado permanente de graça longe de si mesmas. Talvez um dia
descubram que corajoso é aquele que se encara, se enfrenta, se conhece e se
aceita, e principalmente, que aprende a se amar.
(via Soma de todos os afetos)
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