Temperança - e se essa virtude guiasse toda a sua
oração?
24/08/25
O que podemos legitimamente pedir em
nossa oração? O que fazer para que nossas orações não sejam auxiliares de
nossas vaidades? Para aprender a canalizar os nossos desejos, precisamos nos
voltar para a virtude da temperança
De acordo com uma certa etimologia latina (precaria, précaire, prière), rezar é
expor a Deus a nossa precariedade:
“Senhor, aquele que tu amas está enfermo” (João 11, 3). É dizer
como disse o salmista: “Senhor, diante
de vós estão todos os meus desejos” (Salmo 37, 10). Certamente, os
desejos dos homens são confusos. No entanto, se são expressos, seja em fortes
clamores ou sussurros humildes, eles chegam até Deus. As escrituras dizem: “Quando um homem pobre clama, o Senhor ouve”
(Salmo 34, 6). Qualquer pedido do pobre, independentemente se é destinado a
Deus ou não, faz nascer uma oração.
Em “Memórias do Além-Túmulo”, Chateaubriand
(escritor francês) relata uma passagem de sua adolescência, quando abandonou
toda a prática religiosa. A própria fé parecia tê-lo abandonado. “No entanto“, escreve ele, “orei porque sofri e os sofrimentos oram”.
Contudo, mesmo se todos os desejos humanos chegam até Deus, nem todos eles são
legítimos. “Pedis e não recebeis,
porque pedis mal, com o fim de satisfazerdes as vossas paixões”, diz São
Tiago (4, 3). Mas é através da virtude fundamental da temperança, que
orientamos, purificamos e controlamos nossos desejos.
A temperança direciona corretamente nossa oração
É muito difícil saber o que pedir a Deus, porque é
igualmente difícil saber o que é realmente bom para nós ou para os outros. Quem
nos ensinará a fazer a triagem entre os desejos tortos que abrigamos
secretamente no nosso interior e os desejos genuínos que vivem em nós? Ao
dominar nossas paixões terrenas, a temperança guia corretamente nossa oração,
porque a oração não consiste em curvar Deus aos nossos desejos ou em fazer Deus
mudar de ideia. Deus é imutável. Não há nele “nenhuma mudança nem a sombra de uma variação” (Tiago
1:17). Portanto, nossa oração não é para mudar o plano de Deus, mas exatamente
para obter o que Ele decidiu nos dar.
Podemos sugerir a seguinte imagem: Quem reza é como
um homem num barco. Sua oração é como uma corda que ele lança para alcançar a
rocha. Deus é essa rocha. O homem puxa a corda que está presa na rocha. Como se
dá esse movimento? É o homem no barco que está se movendo, não a rocha!
Portanto, nossa oração não transforma a Deus, mas transforma a nós mesmos. A
oração nos aproxima de Deus como o homem no barco se aproxima da rocha enquanto
puxa a corda. Somos nós que somos transformados durante as nossas orações e
clamores a Deus.
O Pai Nosso, a escola do desejo
A oração não foi feita para ensinar a Deus, mas
para nos ensinar. Nós não precisamos falar ao Pai sobre o que necessitamos,
pois ele sabe muito melhor do que nós: “Vosso
Pai sabe o que vos é necessário, antes que vós o peçais”, disse
Jesus (Mateus 6: 8). Por outro lado, repetindo o Pai Nosso, reorientamos nossa
vida na direção do que é genuinamente desejável, voltamos ao essencial e
ficamos convencidos da imensa bondade de Deus que nos concede tudo o que o
pedimos.
Santo Agostinho já dizia: “Se orarmos de maneira correta e adequada,
não é possível dizer nada além do que já está contido nesta oração do Senhor“.
No Pai Nosso está consagrado tudo o que podemos legitimamente desejar. Nesta
breve fórmula, tudo o que podemos esperar de Deus está presente. É por isso que
o Pai Nosso não é apenas uma oração perfeita a qual devemos ter como modelo,
mas também, de certa forma, a mestra de toda oração. Ele endireita e retifica
todos os nossos pedidos. “Nossa oração
deve ser reta” dizia São Tomás de Aquino, isto é, deve fazer-nos pedir a
Deus os bens que nos convêm. A retidão da nossa oração está ligada à retidão da
nossa fé e da nossa vida: lex
orandi, lex credendi, lex vivendi (o modo de orar, o modo de crer e
o modo de viver se refletem mutuamente)!
Père Guillaume de Menthière
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