Liberdade ou loucura?
06/08/25
Será
que ser livre é fazer tudo o que eu quero?
A maior aspiração do ser humano é a felicidade. E
isto é consequência natural de termos sido criados à “imagem e semelhança” (Gen
1,26) de Deus, para participar de sua vida bem-aventurada. O Catecismo, no
primeiro parágrafo, afirma:
“Deus, infinitamente Perfeito e Bem-aventurado em
si mesmo, em um desígnio de pura bondade, criou livremente o homem para fazê-lo
participar da sua vida bem-aventurada” (n.1).
“O desejo de Deus está inscrito no coração do
homem, já que o homem é criado por Deus e para Deus; e Deus não cessa de atrair
o homem a si, e somente em Deus o homem há de encontrar a verdade e a
felicidade que não cessa de procurar” (n.27).
Já que ele foi feito por Deus, e para Deus, só
conseguirá ser feliz em Deus. Todos os outros caminhos de felicidade serão
frustrantes, e a fome de ser feliz não será saciada plenamente.
Santo Agostinho (354-430), um dos maiores
pensadores de todos os tempos, depois de buscar a felicidade nos prazeres do
mundo, na retórica, na oratória, no maniqueísmo e em tantas outras estrepolias,
somente saciou o seu coração quando encontrou o Evangelho. Logo no início das
suas Confissões, diz:
“Nos fizestes para Vós e o nosso coração não
descansará enquanto não repousar em Vós”.
E adiante, lamenta ter demorado tanto para ter
descoberto a verdadeira fonte da felicidade:
“Ó Jesus Cristo, amável Senhor, por que, em toda a
minha vida amei, por que desejei outra coisa senão Vós?”
Sem Deus não há autêntica liberdade e felicidade.
O Criador não quis para nós uma felicidade pequena,
esta que se encontra entre as coisas do mundo: o prazer dos sentidos, o delírio
das riquezas ou o fascínio do poder e do prestígio. Não. Isto é muito pouco
para nós. Deus quis que a nossa felicidade fosse muito maior; quis que fosse
Ele próprio. E isto é um grande ato de amor do Pai para conosco. O Pai, sempre
quer “o melhor” para o filho. Daí se conclui que a fome de felicidade do homem
é infinita e não pode ser saciada sem Deus, que é infinito. É fome de Deus.
Sem acolher Deus de coração aberto, que se revela
pela criação, pela Bíblia, e por Jesus Cristo, que é a perfeita revelação do
Pai (Hb 1,2), o homem jamais experimentará a autêntica felicidade. E isto não é
uma mera conclusão religiosa, é um fato de vida. Experimente hoje dar a um
jovem tudo o que ele quiser: dinheiro à vontade, prazer até não poder mais,
“curtição” de toda natureza, e você verá que a sua “fome” de felicidade
continuará insaciada. Não fosse isto verdade, não teríamos muitos jovens de
famílias ricas, mas delinquentes, envolvidos com as drogras, crimes, etc. Por
outro lado, vá à um mosteiro e pergunte a um monge, que abdicou de todos os
prazeres do corpo e do espírito, para abraçar somente a Deus, se lhe falta algo
para ele ser feliz. A resposta será não! Nada lhe falta, pois ele tem Tudo. Tem
Deus.
A Igreja, de maneira insistente, nos ensina que:
“O aspecto mais sublime da dignidade humana está
nesta vocação do homem à comunhão com Deus… Pois se o homem existe, é porque
Deus o criou por amor e, por amor, não cessa de dar-lhe o ser, e o homem só
vive plenamente, segundo a verdade, se reconhecer livremente este amor e se
entregar ao seu Criador” (Gaudium et Spes, 19).
Muitos pensam que abraçar a Deus e viver uma vida
em obediência às suas leis de amor, significa “perder” a liberdade. Ao
contrário, Deus é a verdadeira Liberdade e Verdade.
É preciso distinguir entre liberdade e
libertinagem, entre ser livre e ser libertino. Liberdade sem compromisso com a
verdade e com a responsabilidade, torna-se libertinagem; e esta, jamais poderá
gerar a felicidade, já que vai desembocar no pecado. E “o salário do pecado é a
morte” (Rom 6,23).
Ser livre não é “fazer tudo o que eu quero”. Não.
Muitas vezes isto é loucura. A verdade é o trilho da verdadeira liberdade.
Liberdade sem verdade é loucura. Será liberdade assegurar que dois mais dois
são cinco? Será liberdade desrespeitar o catálogo do seu aparelho de TV e, ao
invés de ligá-lo em uma tomada de 120 volts, como manda, você teimar em ligá-lo
em outra de 210 volts? Será liberdade, por exemplo, usar drogas, para sentir-se
livre, mesmo destruindo a vida? Será liberdade, usar o sexo sem o compromisso
do casamento, apenas por prazer, mesmo sabendo que ele poderá gerar uma
gravidez despreparada, um aborto, um adultério? Não. Tudo isto não é liberdade;
é loucura!
A liberdade que faz a felicidade, é alicerçada na
verdade e na responsabilidade. Fora disso é loucura, libertinagem,
irresponsabilidade… pecado, que vai gerar a dor, o sofrimento e as lágrimas.
Não queira experimentá-la. É muito melhor aprender com o erro dos outros. Abra
os olhos e tenha coragem de ver!
“Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo14,6).
Por mais duras que sejam as exigências do Sermão da
Montanha (humildade total, mansidão, misericórdia, pureza de coração,
castidade, jejum, esmola, oração, etc), é aí que temos o código da liberdade e
da felicidade autênticas.
O Catecismo da Igreja garante que:
“As bem-aventuranças respondem ao desejo natural de
felicidade” (n° 1718).
Santo Agostinho dizia:
“Meu corpo vive da minha alma e esta vive de Vós”.
São Tomás de Aquino conclui: “Só Deus satisfaz”.
Santa Teresa disse: “Só Deus basta”.
São Luiz de Montfort acrescenta: “Deus só”.
É nas bem-aventuranças que o homem encontra o
sentido e o objetivo da vida. A liberdade só atinge sua perfeição quando está
ordenada para Deus, seu bem último. Quanto mais praticar o bem e a virtude,
mais livre a pessoa será. Enquanto as paixões nos dominarem, não seremos livres
e felizes. Enquanto o espírito do homem for escravo da sua carne e da sua
sensibilidade, este ainda não será livre. Ainda viverá se arrastando pela vida.
“É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gal
5,1), nos ensina São Paulo; e esta liberdade custou o sangue do Cordeiro de
Deus na cruz, para destruir a causa da nossa escravidão; isto é, o pecado. E o
apóstolo diz:
“Ficai, portanto, firmes e não vos submetais outra
vez ao jugo da escravidão” (Gl 5,1-2).
Aceitemos “morrer” para nós mesmos, pela cruz, a
fim de que possamos ser livres em Jesus. Quando o Senhor manda tomar a nossa
cruz, “a cada dia”, e segui-lo, é sinal inequívoco de que é esta cruz que nos
salva. Todos os santos se santificaram pela cruz. Não há como abraçar o Cristo
sem abraçar a cruz, mas também não se pode abraçar a cruz sem o Cristo. Se por
um lado a cruz de cada dia nos liberta, por outro lado, sem o Cristo, esta cruz
nos leva ao desespero. Não se pode separar Cristo da Cruz. Ambos nos são
indispensáveis para a salvação.
A cruz de “cada dia” nos liberta de todas as más
inclinações, “a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba
da vida” (1 Jo 2,16), e de todo o mal que há no interior dos corações: “maus
pensamentos, devassidões, roubos, assassinatos, adultérios, cobiças,
perversidades, fraudes, desonestidade, inveja, difamação, orgulho e insensatez”
(Mc 7,21-23), e que torna o homem impuro.
Só a cruz e a “morte” do próprio eu, sobre ela,
podem nos libertar das garras do pecado. É por isso que, pedagogicamente, o
Senhor nos dá a “honra” de carregar, também nós, a sua cruz. E ninguém está
dispensado desta missão sobre a terra. É por amor a Cristo que carregamos com
Ele a cruz, seguindo-o, a cada dia, sem desespero, tristeza e lamúria.
São João da Cruz afirmava que “quem não busca a
cruz de Cristo não busca a sua glória”.
Mas por que temos tanta repugnância da cruz? Porque
resistimos à cruz de “cada dia”: as ofensas, as incompreensões, o cansaço, o
trabalho, a doença, as contrariedades, os acidentes, a morte…? É porque ainda
não experimentamos todo o seu poder salvífico. Aqueles que conheceram esse
valor a desejaram como um verdadeiro dom de Deus.
A cruz nos desespera quando ela está sem o Cristo;
isto é, sem a sua graça e sem a fé. É Ele que nos dá força, compreensão,
alegria, paz, paciência e resignação para levar a cruz, a cada dia. Portanto, a
grande lição da Paixão e Morte do Senhor, é a de que devemos amar e abraçar a
cruz; mas não apenas a cruz de madeira que se ergue em cada lugar, mas “a minha
cruz”, aquela que o Senhor dá “a cada dia”, para a minha santificação (Heb
12,10). O livro dos Provérbios nos ensina:
“Filho meu, não desprezes a correção do Senhor. Não
desanimes quando repreendido por ele; pois o Senhor corrige a quem ama e
castiga todo aquele que reconhece por seu filho” (Prov. 3,11 s).
Dizemos ao Pai, todos os dias, na oração do
Pai-Nosso: “Seja feita a Vossa vontade”; e no entanto, muitas vezes, quando Ele
nos apresenta a cruz de cada dia, nos rebelamos, revoltamos e perdemos a paz. Esta
atitude não está de acordo com nossa fé.
Aceitemos, na fé, toda a vontade de Deus.
Prof. Felipe Aquino
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