Qual é a importância de identificar o seu
temperamento?
30/07/25
Somos nosso maior inimigo, e a
verdadeira causa de sucessivas derrotas deve-se muitas vezes ao fato de não nos
conhecermos
Todo o cristão sonha em se juntar por completo a
Cristo Jesus ainda neste mundo e para isso não basta apenas arrepender-se dos
pecados e ser perdoado através do sacramento da confissão. É necessário
percorrer o caminho da Santidade e para uma experiência completamente válida,
deve-se passar pelas veredas do autoconhecimento, porque só seremos capazes de
regozijar ao verdadeiro Amor divino, quando nos vencermos plenamente.
Qualquer batalha que se entra, uma coisa se faz
altamente crucial: conhecer o inimigo, conhecer as artimanhas e as armas de
quem ou do que se está a lutar; e a trajetória rumo à Santidade possui um
grande inimigo, uma grande barreira que muitas vezes leva à desistência do
objetivo final. Este entrave é, senão, nós mesmos.
Somos nosso maior inimigo, e a verdadeira causa de
sucessivas derrotas deve-se muitas vezes ao fato de não nos conhecermos. Há,
entretanto, muitos que batem no peito e se acham conhecedores de si, mas é bem
provável que justamente esses possuem ínfimo conhecimento a seu próprio
respeito. Uma análise interessante: já pararam para refletir que nunca nos
vimos? Nunca olhamos para nós mesmos? Você já olhou o seu reflexo, a sua
imagem, fotos e vídeos, mas nunca, efetivamente, viu seu rosto. E quantas vezes
vivemos situações-limites nas quais agimos por um impulso de preservação ou de
proteção e que, até então, tal atitude nunca havia sido realizada? Sim, somos
incógnitas.
Autoconhecimento
O caminho da Santidade passa pelo autoconhecimento
a fim de tentarmos vencer nosso ego, nossos medos, fraquezas e nosso
temperamento. As propriedades temperamentais têm tido bastante enfoque nos
últimos anos, mas há um grande descomedimento em acreditar que ao se enquadrar
em um determinado tipo temperamental, nada mais pode ser feito, estando o
indivíduo fadado e sujeito às maravilhas e infortúnios daquele
temperamento.
O fato de não nos conhecermos é justamente pela
razão máxima de sermos altamente complexos, portanto, não cometa o erro de
acreditar que o tipo X, Y ou Z de temperamento irá defini-lo, entretanto,
entender a dinâmica natural das raízes das nossas ações e reações pode ajudar, ainda
que de maneira modesta, no caminho rumo à Santidade.
Segundo o Padre Paulo Ricardo em seu curso sobre
este assunto, a doutrina dos temperamentos é de origem antiga. Seu
antecedente remoto é o médico grego Hipócrates, que no séc. IV a.C. formulou a
teoria dos quatro humores ou fluidos corporais. Para Hipócrates,
haveria no corpo humano, em proporções mais ou menos iguais, quatro tipos de
líquidos: o sangue; a bílis negra; a bílis amarela e a fleuma, e as doenças
físicas seriam consequência de um desequilíbrio entre eles.
Disposições
Essa ideia foi retomada séculos mais tarde, já em
época cristã, pelo médico romano Galeno, para quem os humores, além de sua
função fisiológica, estariam vinculados também às disposições
emocionais de cada indivíduo. Desta forma, uma maior proporção de sangue,
por exemplo, conformaria um temperamento sanguíneo, caracterizado por ser
alegre, bem-disposto etc., ao passo que uma maior concentração de bílis negra
daria origem a um temperamento melancólico, predisposto à introspecção e à
tristeza. O temperamento, por conseguinte, não seria mais do que o resultado da
mistura dos humores no organismo, um dos quais, por sua maior proporção em
relação aos outros, marcaria as grandes tendências reativas da pessoa.
Esses tipos de personalidade se notam
logo na primeira infância, época da vida em que a pessoa, mais ou menos livre
das influências da educação, da cultura, dos hábitos bons e maus que todos
vamos adquirindo no correr dos anos, manifesta mais claramente suas
predisposições características, isto é, o “tempero” próprio do seu modo de ser
e sentir, de agir e reagir.
Seja como for, o fato é que todos possuímos
algumas tendências herdadas, inscritas em nossa própria biologia, o
que não implica de forma alguma que delas sejamos reféns, pois também é certo e
evidente que é possível nos aproveitarmos delas para aprimorar o nosso caráter
e — é o que aqui mais nos interessa — crescer espiritualmente. É
conveniente conhecer o nosso temperamento a fim de trabalhar ao nosso favor
mesmo em situações delicadas, mas é errôneo pensar estar condenado a não ser
santo por ter um determinado temperamento.
Temperamentos
São quatro os temperamentos, em função do grau de
excitabilidade e de permanência das impressões recebidas: de um lado, estão os
coléricos e sanguíneos; de outro, os fleumáticos e melancólicos. Para
identificar o seu temperamento não há outro método senão a experiência, isto é,
a observação direta dos nossos grandes traços comportamentais, sobretudo na
infância, e a partir daí as respostas para estas duas perguntas:
1ª) Quanto à excitabilidade. Quando sou
afetado por algo externo ou me lembro de um afecção passada, as emoções
irrompem dentro de mim pronta e intensamente?
2ª) Quanto à durabilidade. Uma vez surgida a
emoção, ela permanece por muito tempo, de forma profunda, ou desvanece logo em
seguida?
Em função da resposta que dermos a estas duas
perguntas, com um sim ou um não, teremos quatro combinações
possíveis, correspondentes à divisão tradicional dos temperamentos.
Assim sendo, se à primeira pergunta
respondemos sim, então é provável que sejamos
ou coléricos ou sanguíneos de temperamento, ou seja: diante
de uma impressão qualquer (por exemplo, uma injustiça ou afronta), a nossa
reação tende a ser forte, intensa e imediata. O colérico e o sanguíneo,
portanto, se caracterizam fundamentalmente por um alto de grau de
excitabilidade. Mas se a nossa resposta é negativa, então somos
provavelmente ou melancólicos ou fleumáticos, temperamentos
marcados, ao contrário dos outros dois, por uma baixa excitabilidade, por
reagirem com pouca intensidade às impressões recebidas e, por geralmente, não
responderem instantaneamente, logo após o estímulo.
A segunda pergunta, por sua vez, diz respeito à
duração das impressões. Desta forma, se lhe respondemos não, é provável
que sejamos sanguíneos ou fleumáticos, ou seja, as impressões
tendem a durar pouco em nós, sem deixar vestígios nem nos afetar de maneira
muito profunda. Se respondemos sim, é porque somos ou coléricos ou melancólicos,
nos quais permanece por longo tempo a impressão recebida.
Com base nas aulas do Padre Paulo Ricardo e também
nos ensinamentos de Antonio Marín, é possível conferir algumas características
de cada temperamento:
- Colérico - É facilmente excitável, sua reação é intensa e
exuberante e a impressão tende a durar muito tempo. Suas emoções são
fortes e profundas, como um fogo que se acende rápido, se expande com
violência e não se deixa apagar.
- Sanguíneo - Como o colérico, é facilmente excitável, reage também
com intensidade, mas tende à superficialidade, quer dizer, nele a
impressão costuma durar pouco. A resposta é rápida, mas logo se esvai,
como um fogo que se acende de imediato, impetuoso e ardente, mas que se
apaga logo em seguida. É o típico “fogo de palha”.
- Melancólico - É pouco excitável, sua reação é, por via de regra,
pouco intensa, mas muito profunda e perdurável. Sua resposta é lenta, mas
deixa na alma um sulco permanente. É como uma fogueira difícil de acender,
mas que, quando acesa, dificilmente se apaga. Por isso, tende a não se
esquecer, às vezes por anos a fio, de uma ofensa ou desentendimento
ocorrido na infância ou na adolescência.
- Fleumático - Pouco ou quase nada excitável, razão por que é de
pouca intensidade a sua reação, quase sempre volátil e superficial. É como
um fogo que custa acender e, mesmo depois de aceso, se apaga com a
primeira lufada.
Identificando e entendendo nossos gatilhos, a
chance de reagirmos perante as situações diminui e, assim, começaremos a
realizar as ações de maneira pensada e analisada com cautela. A frase socrática
“conheça-te a ti mesmo” é sempre válida para compreendermos a dimensão das
nossas capacidades e incapacidades e entendermos a graça diária que recebemos
de Deus.
Referências
Antonio Royo Marín, Teología de la perfección
cristiana. 4ª ed., Madrid: BAC, 1962, n. 505.
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