Como o silêncio torna a vida menos superficial
05/07/25
Resgatar essa qualidade em nossas vidas
diárias exige prática, mas os benefícios são imensos
Em nossa sociedade, todos falam, mas poucos
realmente escutam. Vivemos em um dilúvio de palavras vazias, sobrecarregados
por milhões de palavras, barulhos e imagens que nos alcançam em todos os
lugares e nos perseguem em nossos poucos espaços remanescentes de intimidade.
Ansiedade e saturação de mensagens geram um grande
desrespeito, uma distração permanente que nos impede de realmente ouvir. Nós
nos acostumamos a ouvir palavras que não nos dizem nada, palavras vazias sem
peso em nossas vidas. Nós nos encontramos em um mundo cheio de monólogos que
tem uma nostalgia em relação ao diálogo, uma nostalgia em relação a ouvir, uma
nostalgia em relação ao silêncio.
A invasão de informações excessivas sobrecarrega as
pessoas, e a transitoriedade das notícias torna a reflexão autêntica muito
difícil – se não impossível. Bombardeados por mensagens de todos os tipos e por
diferentes mídias, estamos em tudo e em nada ao mesmo tempo, permanecendo
indiferentes e fechados a toda escuta autêntica. Todos os tópicos são
relatados, mas pouco é realmente assimilado e refletido, fazendo com que nossos
pensamentos também se tornem efêmeros e fugazes.
As palavras do filósofo dinamarquês Sören
Kierkegaard parecem estar preenchidas: “Chegará um momento em que a comunicação
será instantânea, mas as pessoas não terão nada a dizer”.
O silêncio nos abre para a vida
As grandes tradições filosóficas e espirituais sempre
reconheceram a necessidade do silêncio por uma autêntica vida espiritual, pelo
cultivo da interioridade e pelo desenvolvimento do pensamento.
O silêncio torna possível a escuta e o diálogo
autênticos, abrindo-nos para encontrarmos o outro. O silêncio é a linguagem do
amor e profundidade nos relacionamentos.
Mas, infelizmente, hoje o silêncio é algo estranho
e tende a nos escapar. Agora, todo o silêncio possível está ocupado com um
bombardeio de ruídos. É como se tivéssemos sido expulsos da interioridade para
viver na superfície de estímulos externos, e nossa vida sofre quando nos
esquecemos da importância do silêncio.
Hoje, graças à tecnologia, temos maneiras de evitar
o silêncio durante todo o dia, dando-nos uma perspectiva achatada da vida. E
não é incomum descobrir que as buscas espirituais de nossos tempos envolvem
lugares de desejo de silêncio. Mas também é verdade que quando o silêncio
chega, muitos não sabem o que fazer nele.
Existem estudos que mostram a relação entre a falta
de silêncio e as doenças cardiovasculares, e devemos levar mais em conta que o
silêncio é saudável e o ruído, por sua própria natureza, é prejudicial.
Nós precisamos de silêncio!
Há em nossas cidades, em nossos lares, uma
nostalgia pelo silêncio e poderíamos até dizer, uma exigência de maior
silêncio. Há casas onde a música ou a televisão é apenas um “ruído de fundo”,
ali apenas para se livrar do silêncio, tornando as conversas mais superficiais.
Quando queremos falar seriamente ou pensar em
profundidade, precisamos desligar tudo, silenciar todas as outras vozes, abrir
espaço para as palavras que são importantes para nós. Precisamos ficar em
silêncio para que possamos ouvir.
A chamada “crise da palavra” se deve ao
esquecimento do silêncio, porque a crise das relações humanas, a incompreensão
e a falta de diálogo têm a ver com essa perda de silêncio. Aprender a falar do
silêncio dá à palavra de volta seu peso e força, como escreveu Heidegger: “O
ressonar da autêntica palavra só pode surgir do silêncio”.
Somente do silêncio pode surgir uma palavra
sensível, luminosa, penetrante e profunda. Manter silêncio significa
disponibilidade; é abertura e permite um diálogo autêntico.
O silêncio é também uma maneira de viver nosso
relacionamento com nós mesmos e com os outros; é um jeito de ser na vida. Ficar
em silêncio não é ficar quieto, mas criar um espaço, um lugar dentro do qual
possamos recorrer, onde possamos descansar e onde possamos ouvir a nós mesmos e
receber os outros.
O silêncio é como um quarto disponível em nosso
interior, porque, acima de tudo, o silêncio está escutando. Recapturar essa
dimensão esquecida da vida humana nos torna mais saudáveis e humaniza nossos relacionamentos.
O diálogo nascido do silêncio
O verdadeiro diálogo requer abertura para o outro,
a vontade de receber o outro e realmente escutá-lo, deixando de lado nosso
interesse e nossa ansiedade. O diálogo autêntico envolve expor o próprio
coração à palavra do outro. Significa realmente recebê-lo, dando-lhe um lugar
no nosso interior. Não há diálogo autêntico, não há escuta verdadeira, sem a
renúncia do egocentrismo que nos impede de dar prioridade ao outro.
E para isso é extremamente importante superar
nossos preconceitos. Recuperar o silêncio é recuperar um tesouro inestimável da
vida humana: a possibilidade de crescer realmente em nossa interioridade e em
nossa capacidade de amar e dialogar autenticamente com os outros.
O silêncio nos prepara para viver de maneira
diferente, para ter uma visão mais profunda da vida. O teólogo protestante
Dietrich Bonhoeffer escreveu: “No coração do silêncio está um maravilhoso poder
de observação, esclarecimento, concentração em coisas essenciais”.
A tradição espiritual cristã praticou o silêncio e
tornou-se uma verdadeira escola de vida espiritual, frutífera e luminosa. O
silêncio na vida espiritual unifica o coração e expande a interioridade,
abrindo-nos para um relacionamento com Deus de maneira mais profunda e radical,
transformando toda a vida e nos permitindo escutar atentamente a Palavra de
Deus.
Aqueles que vivem do silêncio diante de Deus
descobrem os outros, o mundo, a vida, as coisas e toda a sua existência sob uma
nova luz. Seu olhar se torna mais profundo e eles não param em anedotas e
superficialidades. O olhar que emerge do silêncio é assombrado pelo cotidiano e
transmite paz e esperança, porque sabe esperar e ampliou seu horizonte vital.
Recuperar o silêncio é recuperar a comunicação
autêntica consigo mesmo e com os outros. Recuperar isso significa viver uma
vida mais humana.

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